RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 34 e-34119 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.2024e34119

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Artigo Original

Análise do perfil epidemiológico e evolução hospitalar de gestantes com síndromes hipertensivas

Analysis of the epidemiological profile and hospital evolution of pregnant women with hypertensive syndromes

Patrícia Gonçalves Teixeira1; Eura Martins Lage1; Mário Dias Corrêa Júnior1; Marina Ribeiro Bartholo2; Anna Luiza Rocha Queiroz2; Lorena Almeida Silva2; Zilma Silveira Noqueira Reis1

1. Departamento de Ginecologia da Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
2. Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

Eura Martins Lage
Department of Gynecology and Obstetrics, Faculty of Medicine, Federal University of Minas Gerais, Belo Horizonte, Brazil
E-mail: euramartinslage@gmail.com

Recebido em: 22 Janeiro 2024.
Aprovado em: 10 Junho 2024.
Data de Publicação: 25 Fevereiro 2025.

Editor Associado Responsável: Dr. Henrique Leite
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte/MG, Brasil.

Conflito de Interesse: Não há.

Fontes Apoiadoras: Não houve fontes apoiadoras.

Comitê de Ética: CAAE 36334220.8.0000.5149

Resumo

INTRODUÇÃO: As desordens hipertensivas na gravidez mantêm-se como um desafio mundial para efetiva redução da morbidade e mortalidade materna, em especial nos países de baixa e média renda. No Brasil, estima-se que a prevalência seja de 10%, sendo a principal causa de mortes maternas.
OBJETIVO: Este estudo tem por objetivo analisar o perfil das gestantes com distúrbios hipertensivos no momento do parto e associá-los aos desfechos maternos e perinatais.
MÉTODOS: Em uma análise retrospectiva de banco de dados transversal, foram analisadas todas as internações de parto em uma maternidade pública no período anterior à pandemia do SARS-CoV-2. Fatores pré-natais e perinatais foram associados aos desfechos maternos e neonatais comparando mulheres com ou sem hipertensão na gravidez.
RESULTADOS: No período estudado, 12.433 gestantes foram internadas na maternidade. Das 11.173 pacientes elegíveis, 754 (6.8%) apresentaram alguma forma de hipertensão na gravidez e 10.409 (93.2%) foram consideradas no grupo-controle. Fatores que se associaram à hipertensão foram idade da mulher (média 32,5 anos versus 31,5, p<0,001), diabetes (14.8% versus 10.6%, p=0,001), gemelaridade (4.3% versus 2.3%, p<0,001), plaquetopenia (1,6% versus 0,5%, p<0,001) hipertensas e não hipertensas, retrospectivamente. Em relação ao parto e complicações imediatas, a cesariana foi mais frequente no grupo de hipertensas (71,3%), assim como o parto prematuro (39,9%), near miss (9,5%), hemotransfusões (5,4%), admissão em Centro de Terapia Intensiva (CTI) (5,6%), em relação às não hipertensas. Quanto ao resultado neonatal durante o período de internação, o peso ao nascer foi menor (média 2595 versus 2999 gramas, p<0,001), o escore de Apgar no 1º e 5º minutos foram inferiores (p<0,001) e a necessidade de cuidado intensivo neonatal e óbito nas salas de parto foi maior nos neonatos de mulheres hipertensas em relação às não hipertensas (p<0,001).
CONCLUSÃO: A hipertensão na gravidez se mantém associada ao resultado materno e neonatal hospitalar pior em relação às não hipertensas, mesmo em um centro de referência para alta complexidade. Estratégias antenatais efetivas e no parto ainda são políticas essenciais para a prevenção das complicações e redução de danos na população-alvo.

Palavras-chave: Transtornos hipertensivos; Análise de banco de dados; Desfechos.

 

INTRODUÇÃO

No Brasil estima-se que a prevalência das desordens hipertensivas é de 10%, sendo a principal causa de morte materna nos extremos da vida reprodutiva1. As desordens hipertensivas na gravidez mantêm-se como um desafio mundial para redução da morbidade e mortalidade materna, em especial nos países de baixa e média2. Os estudos sobre as desordens hipertensivas na gravidez se intensificaram nas últimas décadas e esses quadros frequentemente complicam o ciclo gravídico puerperal e estão associadas a altas taxas de morbimortalidade materna e perinatal3,4.

A hipertensão na gravidez é definida como uma pressão arterial sistólica (PAS) ≥140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica (PAD) ≥90 mmHg, ou ambas, em duas medidas com intervalo de 4 horas, e são classificadas em hipertensão arterial prévia, pré-eclâmpsia (PE) ou hipertensão gestacional1-3. A PE, quando presente, complica 25% das gestações e têm uma incidência variável e dependente da presença de fatores de risco epidemiológico4-6.

Estudo de Morse (2011)7 sobre levantamento de publicações sobre a causa de morte no Brasil em 30 anos a hipertensão na gravidez foi apontada como principal causa de morte materna no Brasil.

A pré-eclâmpsia, em todo o mundo é a segunda principal causa de morte materna, com estimativas de pelo menos 16% entre países de baixa e média renda até acima de 25% em alguns países da América Latina1-3. No Brasil a pré-eclâmpsia contribui com um quarto de todos os óbitos maternos registrados, sendo a principal causa de morte materna8.

A PE ocorre principalmente no final do segundo e ao longo do terceiro trimestre da gravidez e sua fisiopatologia é marcada por lesão endotelial sistêmica e progressiva4,9. Embora de etiologia incerta, sabe-se que a doença é decorrente da liberação de fatores antiangiogênicos de forma não balanceada e outras citocinas por uma placenta disfuncional10,11. Os sinais e sintomas da PE são bem conhecidos e o parto com a retirada do tecido placentário é o tratamento definitivo11,12. Mulheres que tiveram pré-eclâmpsia têm risco aumentado de desenvolver doenças cardiovasculares no futuro e o concepto de desenvolver doenças hipertensivas e metabólicas na fase adulta12,13.

Conhecer os fatores de risco epidemiológico das doenças hipertensivas que se relacionam aos desfechos do binômio mãe/recém-nascido pode gerar medidas de prevenção de complicações graves ainda durante o pré-natal14,15. A aferição da pressão arterial deve ser realizada em todas as consultas que antecedem o parto, no parto e puerpério. É o conhecimento de sua alteração um dos principais fatores de risco obstétrico, que permite traçar um plano de acompanhamento pré-natal e a instituição de medidas profiláticas de prevenção de quadros graves de PE, como o uso do ácido acetil salicílico (AAS) e suplementação de cálcio diante de carência nutricional16-18. Além disso, todas as gestantes, principalmente aquelas de risco, devem conhecer os sinais e sintomas da hipertensão, ter conhecimento da maternidade de referência e procurar por atendimento oportuno19,20.

Este estudo tem por objetivo analisar o perfil das gestantes com distúrbios hipertensivos no momento do parto e associá-los aos desfechos maternos e perinatais, na intenção de contribuir para a melhoria da qualidade assistencial, revisões dos protocolos institucionais e para elaboração de políticas públicas.

 

MÉTODOS

Estudo transversal retrospectivo em base de dados reuniu todas as internações para parto na maternidade Otto Cirne do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais/ Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (UFMG/Ebserh), referência quaternária na rede pública do estado de Minas Gerais. Na instituição, um sistema informatizado próprio denominado SISMATER® possui um repositório permanente e longitudinal de dados clínicos coletados em formato estruturado desde a internação até a alta da mulher e recém-nascido. O presente estudo selecionou para análise o período pré-pandemia da SARS-CoV-2 entre os anos de 2014 e 2019. Entre as 250 variáveis coletadas no sistema pelos médicos assistentes, 32 variáveis maternas e 7 variáveis de recém-nascidos foram selecionadas para compor o perfil epidemiológico e evolução clínica e obstétrica hospitalar. As complicações em gestações anteriores estavam agrupadas em "mau passado obstétrico". Dados sobre a mortalidade materna no período selecionado do estudo foram colhidos no Núcleo de Epidemiologia do Hospital das Clínicas (UFMG) O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG sob o número CAAE 36334220.8.0000.5149.

Entre os 12.433 registros hospitalares de parto do período estudado, 11.173 internações foram consideradas na análise por apresentarem idade gestacional acima de 20 semanas ou peso ao nascer maior do que 500g, na falta da informação da cronologia gestacional. Os casos excluídos reuniram registros que não eram partos (n=1010; 9,0%) e perda das duas variáveis que permitissem definir a ocorrência como parto (250; 2,2%) - Figura 1. O fluxograma da Figura 2 apresenta a seleção das gestantes e das variáveis estudadas. Neste estudo, 11.173 gestantes tiveram partos e deram à luz 11.387 recém-nascidos. No entanto, em caso de gêmeos, apenas o primeiro foi considerado para evitar a duplicação das informações maternas.

 

 

 

 

Para análise dos dados, as gestantes que tiveram diagnóstico de distúrbios hipertensivos durante a internação foram comparadas às que não tiveram. O grupo de hipertensas reuniu casos já conhecidos pelo histórico do pré-natal assim como aqueles que tiveram manifestação apenas na internação. Para isso, foram utilizados campos estruturados da base de dados e os registros com CIDs associados à hipertensão: 0.14 - Pré-eclâmpsia induzida pela gravidez, 0.16 - Hipertensão materna específica da gravidez, 0.10 - Hipertensão essencial, 0.15 - Hipertensão secundária e 0.13 - Hipertensão gestacional. Nessa maternidade, as desordens hipertensivas da gestação são diagnosticadas e classificadas de acordo com a International Society for the Study of Hypertension in Pregnancy (ISSHP)21, conforme definidas no protocolo institucional interno. Segundo essa classificação, é considerada hipertensão arterial crônica aquela que antecede a gravidez ou permanece após 12 semanas de parto ou está presente no início da gestação; pré-eclâmpsia é a hipertensão que surge após 20 semanas de gravidez associada à proteinúria ou à disfunção orgânica e hipertensão gestacional a elevação transitória da pressão arterial sem sinais clínicos ou laboratoriais da PE.

Na análise estatística, as variáveis de interesse foram descritas na forma de frequência absoluta e relativa, assim como média e desvio padrão (DP), mediana e intervalo interquartil (IIQ). Em seguida, os grupos de mulheres hipertensas e não hipertensas foram comparados através dos testes qui-quadrado de Pearson, teste-t de médias e teste de Mann Whitney, de acordo com a natureza da variável e de sua distribuição de frequência. O programa estatístico SPSS versão 16 foi utilizado na análise e o p-valor<0,05 foi considerado significativo.

 

RESULTADOS

A frequência de síndromes hipertensivas da gestação foi de 764 (7,3%) e 10.409 (93,2%) gestantes foram consideradas grupo-controle. Em relação à forma de apresentação da doença hipertensiva, 47 (17,9%) tinham hipertensão crônica, 15 (2,9%) tiveram eclâmpsia, sendo que as demais foram consideradas como portadoras de outras formas de pré-eclâmpsia, 674 (88,2%), ou hipertensão gestacional, 28 (3,7%). A Tabela 1 apresenta a análise comparativa entre as características do grupo de mulheres que tiveram algum tipo de hipertensão na gestação com as que não tiveram. Em se tratando de um serviço de referência, 1.129 (10,2%) vieram encaminhadas de outras cidades, sendo a transferência mais frequente no grupo de hipertensas (p<0,001). Quanto à paridade, 5.186 (46,9%) eram nulíparas à internação, mas sem associação com hipertensão na gravidez (p=0,266). A presença de hipertensão esteve associada à maior idade materna (média 32,5 versus 31,5 anos, p<0,001), gemelaridade (4,3% versus 2,3%, p<0,001), plaquetopenia (1,6% versus 0,5%, p<0,001), mau passado obstétrico (2,8% versus 1,6%, p<0,001), diabete (14.8% versus 10.6%, p=0,001), ocorrências para hipertensas e não hipertensas, retrospectivamente. Complicações fetais como a restrição de crescimento intrauterino (p<0,001) e oligodrâmnio (p=0,003) também se associaram à hipertensão, mas não houve diferença significativa em relação à ocorrência de óbito fetal entre os grupos de estudo (p=0,758).

 

 

Em relação ao parto e complicações imediatas, a Tabela 2 mostra que a cesariana foi mais frequente no grupo de hipertensas (71.3% versus 33,8%, p<0,001), assim como o parto prematuro (39.9% versus 15,0% p<0,001), hemorragia pós-parto (5,8% versus 3,0%, p<0,001), frequências para hipertensas e não hipertensas, respectivamente. Complicações graves como near miss (p<0,001), hemotransfusões (p<0,001) e admissão em CTI (p<0,001) associaram-se à hipertensão arterial. No período estudado, ocorreram 19 óbitos em gestantes. Dezoito mulheres faleceram devido a causas não hipertensivas, como leucemia, cardiopatias e outros, e um óbito ocorreu no ano de 2018 por pré-eclâmpsia complicada por HELLP, síndrome e hemorragia pós-parto. Essa gestante foi admitida na UTI do Hospital das Clínicas após cesariana realizada com 32 semanas de gravidez em outra instituição de assistência ao parto. Quanto ao resultado neonatal durante o período de internação, a Tabela 3 mostra que o peso ao nascer foi menor (média 2.595 g versus 2.999, p<0,001), o escore de Apgar no 1º e 5º minuto foram inferiores (p<0,001 para ambos) e a necessidade de cuidado intensivo neonatal (35,0% versus 15,3%) e óbito na sala de parto (2,2% versus 1,9%) foram maiores nos neonatos de mulheres hipertensas em relação às não hipertensas (p<0,001).

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Ainda não há como evitar o surgimento da pré-eclâmpsia, mas conhecendo dados epidemiológicos relacionados à doença, podemos selecionar gestantes para acompanhamento de pré-natal adequado evitando a instalação de quadros mais graves e melhorar os indicadores de saúde22,23.

Dados relacionados ao parto podem ser encontrados em registros eletrônicos de maternidades ou arquivos, mas possuir um banco robusto e informatizado de dados proporciona a análise de grande grupo populacional em tempo hábil. Nessa premissa, foi implantado na Maternidade Otto Cirne HC/UFMG-Ebserh em 2012 o SISMATER, um software, hoje, com mais de 250 variáveis que geram dados para análise interna e estudos científicos.

Nosso estudo foi pioneiro em analisar fatores epidemiológicos relacionados à hipertensão na gravidez com desfecho materno e perinatal utilizando os dados do SISMATER. Encontramos que características como idade da gestante, mau passado obstétrico, presença de diabetes, gemelaridade e oligodrâmnio estão associadas à hipertensão na gravidez e esses são fatores de risco que podem ser identificados durante o pré-natal, definindo, previamente ao parto, fluxos assistenciais diferenciados. Outro fato de interesse foi o desenvolvimento de quadros obstétricos graves como near miss, necessidade de CTI, hemotransfusão e hemorragia no grupo das gestantes com hipertensão. Isso mostra que estar diante de gestante com hipertensão alerta para o risco de complicações e a possível necessidade de unidade hospitalar de maior complexidade.

A relação entre os casos de near miss materno e a morte materna podem fornecer informações sobre a prevenibilidade da morte. Hemorragia e pré-eclâmpsia constituem as principais causas de admissão na UTI por complicações obstétricas e têm taxas de mortalidade relativamente baixas, talvez demonstrando o impacto do cuidado no manejo de doenças obstétricas críticas24.

Associando-se a síndrome hipertensiva e resultados perinatais na gestação, o grupo com hipertensão arterial apresentou resultados perinatais como prematuridade, baixo peso ao nascer e parto cesáreo em maior prevalência do que o grupo sem hipertensão arterial, o que está de acordo com os dados de literatura25-27.

Registramos um único caso de óbito materno, que se deu por transferência pós-parto de paciente em estado grave, para o CTI do nosso serviço. Entendemos que a abordagem de gestantes com hipertensão instalada requer estratégias protocolares e linhas de cuidado adequadas.

A criação do grupo chamado "Hipertensão na gravidez" foi estratégia utilizada para análise estatística de todos os quadros hipertensivos, uma vez que o registro de dados ocorreu pela codificação do CID-10. As gestantes são classificadas e inseridas no momento da internação, e na alta hospitalar são inseridos dados do parto, desfecho materno e do recém-nascido. Essa forma de registro inviabilizou os estudos isolados de pré-eclâmpsia na sua forma pura. Merece comentário a impossibilidade de reclassificação da gestante ao longo da internação, o que fortalece a fidedignidade da informação em relação ao desfecho materno e fetal, mas não permite reclassificar as formas da doença hipertensivas.

A variável monitorização fetal clínica ou eletrônica durante o trabalho de parto foi registrada em 10.125 partos, o que equivale a 90,6 % dos casos, e quase 10% dos dados não foram registrados. Foram monitorizados com sonar Doppler e estetoscópio de Pinard 74,5% das gestantes que estavam com hipertensão na gravidez e 76,9% das gestantes normotensas. As demais gestantes foram monitoradas eletronicamente por cardiotocografia intraparto totalizando 2.356 partos e 25% dos partos do grupo controle. Acreditamos que a alta percentagem de RNs que necessitaram de unidade neonatal e cardiotocografia intraparto no grupo controle deve-se a outras comorbidades maternas, que não são foco deste estudo, por ser a maternidade do estudo quaternária e de alto risco obstétrico.

Em relação aos recém-nascidos, foi registrado um total de 11.397 nascimentos, sendo que 1.857 deles nasceram prematuros, com maior frequência (39,9%) no grupo das gestantes que desenvolveram hipertensão na gravidez. Outras intercorrências como restrição de crescimento, recém-nascido pequeno para idade gestacional, oligodrâmnio e APGAR do primeiro e 5 minutos mostraram piores resultados nas gestantes com hipertensão na gravidez. Os dados válidos para análise de crescimento intrauterino restrito (CIUR) foram registrados em 9.434 partos. Desses, 259 fetos apresentaram CIUR com mais casos no grupo das hipertensas (p<0,01). Considerou-se CIUR feto com crescimento abaixo do percentil 10, pela classificação vigente no momento do estudo. Também foram maiores as taxas de cesariana e a presença de oligodrâmnio. A restrição de crescimento e oligodrâmnio são condições frequentemente associadas à disfunção placentária da hipertensão na gravidez (pré-eclâmpsia e hipertensão arterial crônica)24. Como limitação do estudo, dados de interesse como necessidade de reanimação de RN em sala de parto não estavam nas variáveis registradas no período do estudo.

Trinta e cinco por cento dos recém-nascidos foram encaminhados da sala de parto para unidade neonatal e o óbito ocorreu nos dois grupos, sendo 15 (2,15%) no grupo das gestantes com hipertensão e 185 (1,9%) nas normotensas. Essa diferença não foi significativa e pode refletir a qualidade da assistência neonatal prestada em maternidade de alta complexidade.

Estudos em banco de dados são importantes para analisar grande número de casos em épocas de interesse. Nosso estudo, de dados sobre hipertensão na gravidez e desfecho materno e perinatal, envolve um número expressivo de gestantes e é provável que reflita de forma fidedigna a realidade dos casos conduzidos no serviço.

A seleção do momento do estudo foi posterior à criação do banco de dados e anterior à pandemia por SARS-CoV-2, para reduzir vieses de seleção. Revisão sistemática sobre os resultados maternos e perinatais de infecções do espectro de coronavírus, e particularmente a doença de coronavírus 2019 (COVID-19), mostrou que são muitas as complicações nesse período: a pré-eclâmpsia ocorreu em 16% das gestantes infectadas, a prematuridade por rotura prematura de membramas em 20,7% e a restrição de crescimento em 11, 7% dos casos estudados28.

Limitações ocorreram e servem de alerta para incremento de novas variáveis ao banco de dados e para novos estudos sobre hipertensão e outras condições relacionadas à gravidez. Não conseguimos, por exemplo, dados epidemiológicos das gestantes que eram hipertensas crônicas e que tiveram pré-eclâmpsia na gravidez anterior. Também não foi possível conhecer dado de interesse como uso de AAS no pré-natal para profilaxia de casos graves de pré-eclâmpsia. No nosso serviço de pré-natal, é rotina do protocolo a introdução do AAS entre 12 até 36 semanas de gravidez para toda gestante de risco de pré-eclâmpsia. No banco SISMATER, existe uma variável que identifica a origem do pré-natal, se realizado em grande centro ou não, mas não há especificação do centro de origem do pré-natal. Esse fato limitou analisar o impacto do AAS no nosso pré-natal. Por outro lado, ficou evidente a adequada abordagem dos quadros hipertensivos da gravidez em nossa maternidade pelo reduzido número de desfecho fatal materno e perinatal.

 

CONCLUSÃO

As informações obtidas com este estudo contribuem para guiar protocolos internos, analisar condutas da equipe assistencial e ser base para comparação com outros centros hospitalares que lidam com hipertensão na gravidez. Além disso, manter ativo um banco de dados eletrônicos em saúde facilita a obtenção rápida de informações. Este estudo mostra o grande potencial de complicação para o binômio gestante/concepto decorrente das síndromes hipertensivas no período que antecedeu a pandemia de SARS-CoV-2 e serve de base para avaliar o impacto de relação pré-eclâmpsia/COVID-19 após divulgação deste estudo. É necessária melhoria nos serviços de saúde, principalmente no que se refere à integração entre os cuidados pré-natais e de assistência ao parto das gestantes, bem como acesso a uma equipe qualificada em atender emergências obstétricas. Recomenda-se ampliar a atenção voltada às situações que causam risco à gestação, sendo imprescindíveis medidas de prevenção e planejamento familiar.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

As contribuições dos autores estão estruturadas de acordo com a taxonomia (CRediT) descrita abaixo:

Conceitualização, Análise Formal, Metodologia, Administração de Projetos, Redação - Rascunho Original, Redação - Revisão e Edição: Patrícia Gonçalves Teixeira; Conceitualização, Análise Formal, Metodologia, Administração de Projetos, Recursos, Supervisão, Visualização, Redação - Rascunho Original, Redação - Revisão e Edição: Eura Martins Lage; Conceitualização, Análise Formal, Recursos, Supervisão, Visualização, Escrita - Rascunho Original, Escrita - Revisão e Edição: Mário Dias Corrêa Júnior; Conceitualização, Investigação, Recursos, Escrita - Rascunho Original: Marina Ribeiro Bartholo; Conceitualização, Investigação, Recursos, Escrita - Rascunho Original: Anna Luiza Rocha Queiroz; Conceitualização, Investigação, Recursos, Escrita - Rascunho Original: Lorena Almeida Silva; Conceitualização, Análise Formal, Metodologia, Administração de Projetos, Recursos, Supervisão, Visualização, Redação - Rascunho Original, Redação - Revisão e Edição: Zilma Silveira Noqueira Reis.

 

COPYRIGHT

Copyright© 2023 Teixeira et al. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Licença Internacional que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado.

 

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