RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 28. (Suppl.5) DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20180110

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Artigo Original

Análise das fichas de notificação de violência emitidas por serviços de saúde da regiao de Barbacena

Analysis of the notification forms of violence issued by the health services of the region of Barbacena

Letícia Nogueira Chauke Piovezan1; Letícia Oliveira Diniz1; Marina Nakao Calmeto1; Rafael Brito Fontella1; Rayan Saúde Barreto Ferreira1; Carlos Eduardo Leal Vidal2

1. Acadêmicos - Faculdade de Medicina de Barbacena - FAME/FUNJOBE, Barbacena, MG - Brasil
2. Professor da Faculdade de Medicina de Barbacena. Psiquiatra do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena/FHEMIG. Doutor em Epidemiologia, Barbacena, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Marina Nakao Calmeto
Faculdade de Medicina de Barbacena, MG - Brasil
E-mail: marina.calmeto@live.com

Resumo

INTRODUÇÃO: A violência compoe um dos principais desafios para a saúde pública e sua notificação é fundamental para a vigilância epidemiológica. No Brasil, causas externas provocam internações hospitalares e mortalidade, acarretando altos custos emocionais e sociais. O Ministério da Saúde implementou em 2011 a Ficha de Notificação Compulsória da Violência, responsabilizando todos os profissionais de saúde.
OBJETIVO: O principal objetivo deste estudo foi analisar o perfil epidemiológico da violência na regiao de Barbacena (MG).
MÉTODOS: Este estudo transversal retrospectivo de caráter censitário utilizou o banco de dados do Sistema de Informações de Agravos de Notificação de 2013 a 2016.
RESULTADOS: Foram sistematizadas 7.627 notificações. O sexo feminino prevaleceu entre as vítimas (69,46%). As raças parda (40,74%) e branca (33,37%) foram as mais atingidas, o local mais frequente foi a residência da vítima. A violência física foi a mais prevalente (81,92%), a força corporal o meio mais utilizado (68,99%). O sexo masculino predominou entre os agressores (57,19%). A associação de bebidas alcoólicas foi de 25,21%.
CONCLUSÃO: As características das vítimas e agressores mantêm um padrao semelhante a outros trabalhos realizados no Brasil. A elevada ocorrência de atos violentos em grupos vulneráveis indica a necessidade de melhorar os cuidados a essas pessoas, tanto nos aspectos preventivos quanto de tratamento.

Palavras-chave: Notificação; Violência; Vigilância em Saúde Pública; Epidemiologia.

 

INTRODUÇÃO

A violência é um fenômeno que acompanha a humanidade desde os seus primórdios e, atualmente, compoe um dos principais desafios enfrentados pela sociedade, sobretudo no Brasil. Apesar de a violência possuir diversas possibilidades de interpretação, a Organização Mundial da Saúde a define como: o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.1,2

No Brasil, as causas externas (violências e acidentes) representaram a quinta maior causa de internações hospitalares e terceira causa de mortalidade em 2015.3 Provocam prejuízos econômicos pelos dias de ausência do trabalho e danos físicos e emocionais nas vítimas e familiares.4 Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais,5 no ano de 2005, as causas externas foram responsáveis por 11.646 óbitos, e a taxa ajustada de mortalidade específica naquele ano foi de 59,8 óbitos por causas externas/100.000 habitantes. Já no ano de 2015, este número aumentou para 14.003 óbitos, segundo dados do Ministério da Saúde.6

No município de Barbacena as causas externas constituem a quarta causa de mortalidade, representando 9% dos óbitos totais. Considerando-se apenas as mortes por homicídio, a cidade de Barbacena está entre as 15 menos violentas do país e em Minas Gerais ocupa a terceira posição.7 Por outro lado, um estudo apontou a cidade com taxa média de 8,8 óbitos por suicídio/100 mil habitantes, o 4º maior coeficiente entre as cidades da Regiao Sudeste com população entre 100 mil e 200 mil habitantes.8 No entanto, o município não dispoe de dados sistematizados que informem sobre o perfil da violência na regiao, contemplando suas várias formas de manifestação.

Em 2006, o Ministério da Saúde implementou o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA).9 Anos depois, em 2011, foi instituída a Ficha de Notificação Compulsória da Violência por meio da Portaria nº104, responsabilizando a notificação de violência a todos os profissionais de saúde.10 A ficha é composta por variáveis que englobam as violências autoprovocadas e as interpessoais, classificando-as como violência física, psicológica ou moral, tortura, sexual, tráfico de seres humanos, financeira ou econômica, negligência ou abandono, trabalho infantil, intervenção legal, ou outros tipos de violência.9

Os serviços de saúde desempenham um papel imprescindível neste contexto, pois é por meio deles que ocorre a identificação, notificação e condução dos casos suspeitos de violência. Apesar das dificuldades existentes para o registro dessas informações,11 percebe-se melhora na qualidade dos registros,12 mas ainda há um longo caminho a se percorrer até que se tenha um panorama adequado das notificações de violência no Brasil.

Os registros desses agravos são importantes, pois é por meio deles que se apuram os dados da violência, momento em que esta ganha evidência epidemiológica, permitindo orientar as intervenções voltadas à prevenção e capacitação de profissionais e serviços para a proteção das populações mais atingidas.

Embora não existam dados precisos sobre a utilização dos serviços pelas vítimas de violência, sabe-se que no ano de 2010 a 2012 foram registradas 2.901.265 internações por causas externas pelo Sistema Unico de Saúde (SUS), de acordo com dados do Datasus.13 Entretanto, o referencial das internações é limitado, pois não representa os atendimentos feitos em ambulatórios, pronto-socorros, emergências e serviços de reabilitação, o que pode resultar em subestimação.14

Assim, considerando o exposto, o principal objetivo deste estudo foi analisar o perfil epidemiológico dos casos de violência notificados pelos serviços de saúde violência na regiao de Barbacena (MG), por meio da análise das fichas de notificação.

 

MÉTODOS

Estudo transversal retrospectivo em que foram analisados os dados referentes aos casos de violência atendidos e notificados em serviços de saúde na regiao de Barbacena, Minas Gerais, abrangendo o período de 2013 a 2016. Esta área é composta por 15 municípios e compreende população aproximada de 250.000 habitantes, sendo 51% do sexo feminino. A pesquisa foi de caráter censitário, utilizando dados contidos em fichas de notificação do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN).

No caso das violências, há uma ficha individualizada denominada "Ficha de notificação/investigação individual de violência doméstica, sexual e/ou outras violências", composta por um conjunto de variáveis e categorias que retratam as violências perpetradas contra si (autoprovocadas), contra outra pessoa ou contra grupos populacionais (interpessoais).15

Foram analisadas as seguintes variáveis: idade, sexo, estado gestacional, cor, escolaridade, situação conjugal, município de residência, local de ocorrência, recorrência, lesão autoprovocada, meio de agressão, tipo de violência, tipo de violência sexual, relação com a vítima, sexo do provável autor da agressão, suspeita de uso de álcool e evolução do caso.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) em 22/12/2016, parecer nº 1.880.062.

 

RESULTADOS

Foram notificadas pelos serviços de saúde 7.627 fichas na regiao de Barbacena, entre os anos de 2013 a 2016. 1.310 casos ocorreram em 2013, 1.823 em 2014, 2.044 em 2015 e em 2016 o número alcançou 2.450 casos. Considerando-se os habitantes da regiao de Barbacena, obteve-se uma média de 9,8 casos de violência notificados para cada 1.000 habitantes no ano de 2016.

Em relação ao sexo das vítimas, observou-se que em 69,5% dos casos elas eram do sexo feminino, sendo que este predomínio foi verificado em todos os oito anos estudados. O principal meio de agressão contra as mulheres foi a violência física (81,4%) e o local mais prevalente de ocorrência das violências foi a própria residência da vítima (65,7%). Dentre as mulheres agredidas, a maioria era da raça parda (40,5%).

Do total, 31,1% eram casadas e, destas, 49,6% sofreram violência pelo seu próprio cônjuge. As mulheres que estavam grávidas na época da ocorrência corresponderam a 3,6% das vítimas do sexo feminino, e sofreram agressão pelos seus parceiros em 43,9% dos casos e por ex-parceiros em 11,6%. A violência contra a mulher foi recorrente em 33,9% dos casos.

Quanto à cor da pele, considerando todas as ocorrências, as pessoas mais acometidas foram as de cor parda (40,7%) e branca (33,4%). As vítimas de pele preta foram menos frequentes (9,9%), seguidas das de cor amarela (0,6%) e indígenas (0,2%). Esses dados são apresentados na Tabela 1.

 

 

Em relação aos tipos de violência identificados nas notificações, os mais prevalentes foram: violência física (81,9%), violência psicológica e moral (27,1%) e violência sexual (3,0%). No que tange aos tipos de violência sexual relatados, o mais frequente foi estupro (43,6%), seguido de assédio sexual (37,9%), exploração sexual (10,1%), atentado ao pudor (6,9%) e, em 6,6% dos casos, ocorreram outros tipos de violência sexual não descritos na ficha. A distribuição dos casos de acordo com o tipo de violência é apresentada na Tabela 2.

 

 

É importante ressaltar que o total de registros de violência de acordo com o tipo (9.866) difere do total de notificações de casos (7.627), pois, em alguns casos, foi identificada a combinação de diferentes tipos de violência, como, por exemplo, violência física associada à sexual.

Pode-se observar uma maior incidência das notificações gerais de violência na faixa etária de 20 a 29 anos, compreendendo 25,9% do total de casos. Destes, 84,3% ocorreram devido violência física. Na investigação acerca dos agressores de vítimas em extremos de idade, obteve-se o resultado de que a maioria dos indivíduos que cometeram violência contra crianças de 0 a 9 anos de idade foram as maes (21,6%), seguido dos pais (21,4%) e amigos ou conhecidos (19,0%). Já em relação a idosos de 60 ou mais anos de idade, os agressores eram principalmente amigos ou conhecidos (18,1%), seus próprios filhos (16,5%), desconhecidos (16,0%), e cônjuge (10,4%).

As lesões autoprovocadas corresponderam a 14,8% do total de notificações, apresentando 1.130 casos, sendo que, em 851 destes casos (67,7%), as vítimas eram do sexo feminino, principalmente na faixa etária de 20 a 29 anos (24,6%) e 30 a 39 anos (22,9%), da cor parda (41,6%) e com mais de oito anos de ensino (44,2%). Para os indivíduos do sexo masculino, essas ocorrências foram mais observadas nas faixas etárias de 20 a 29 anos (31,7%) e 30 a 39 anos (20,7%). Do total, o meio utilizado mais frequente foi o envenenamento (63,9%).

Em relação ao nível de ensino, 36,9% do total das vítimas possuía mais de oito anos de escolaridade, enquanto 26,6% estudaram menos de oito anos. Todavia, tem-se que em 2.785 fichas esta informação não foi devidamente coletada, comprometendo uma análise mais específica. Dos indivíduos notificados quanto à escolaridade, 0,9% do total de casos se declara analfabeto, 25,6% não concluiu o Ensino Fundamental e 9,2% não completou o Ensino Médio. Apenas 17,5% das vítimas concluíram o Ensino Médio e 1,8% tinham Educação Superior Completa.

Em contrapartida ao sexo mais frequente das vítimas, os principais autores das agressões foram do sexo masculino (57,2%), sendo observado que este predomínio também se manteve durante todos os anos estudados. Foi relatada a suspeita de uso de bebida alcoólica pelo praticante da violência em 25,2% de todas as notificações.

Dentre os meios de agressão, os mais utilizados foram força corporal (68,9%), seguido de ameaça (12,7%), envenenamento (9,9%) e enforcamento (6,9%). Pode-se constatar que o principal local de ocorrência da agressão foi a residência da vítima, seja referente ao total de notificações (61,9%) ou a direcionada contra grupos de risco, como mulheres (60,3%), crianças (70,3%) ou idosos (72,2%). O segundo local mais frequente foi a via pública (26,7%) seguida de escola (2,8%). A violência foi considerada recorrente em 30,6% dos casos.

No que concerne à evolução do caso, constatou-se que em 2.403 (31,5%) notificações o caso evoluiu para alta, em 24 (0,3%) houve evasão ou fuga do local de atendimento/hospital, em 25 casos (0,3%) a vítima foi a óbito por violência e em uma notificação (0,1%), foi a óbito por outras causas. Em 67,8% do total das notificações, a "evolução do caso" foi ignorada ou deixada em branco.

Do total de óbitos por violência, 76,0% das vítimas era do sexo masculino, 52,0% da cor branca, 28,0% da cor parda e 8,0% da cor preta. Em 56,0% dos casos, o óbito foi decorrente de lesão autoprovocada, sendo que, destes, o sexo masculino foi mais frequente (78,6%) e os meios mais prevalentes de violência utilizados foram enforcamento (64,3%) e envenenamento (21,4%).

 

DISCUSSÃO

Analisando os registros das violências notificadas pelos serviços de saúde, destaca-se o aumento da frequência do número de casos notificados durante os quatro anos estudados na regiao. Este fenômeno pode ser explicado, em parte, pelo fato de que os dados apenas se tornaram disponíveis no SINAN a partir do ano de 2009.

Neste período, muitos profissionais ainda não se encontravam aptos para a identificação da violência e preenchimento da ficha, resultando em subnotificação, que diminuiu progressivamente com o passar dos anos e adaptação dos profissionais. Por outro lado, pode ter havido real aumento dos casos de violência ou aumento da procura por atendimento nos serviços de saúde, o que elevaria os registros de violências notificadas.

Ao se analisar o número de casos de acordo com o sexo das vítimas, torna-se evidente que a mulher continua sendo quem mais sofre em decorrência da violência, excluindo-se ainda os casos não notificados por diversos motivos,16 enquanto o sexo masculino foi o mais prevalente entre os autores das agressões.

Segundo a OMS,17 35% das mulheres são vítimas de violência física e/ou sexual em algum momento da vida e a maior parte delas é agredida pelo próprio parceiro, achado também verificado no presente trabalho. Estes dados demonstram que, apesar dos recentes avanços - como a criação da lei nº 11.340, de 7 de agosto 2006, a chamada "Lei Maria da Penha", e da delegacia especial para mulheres, por exemplo - a população feminina permanece susceptível à violência.

Com relação à cor da pele, as raças mais acometidas na regiao de Barbacena foram: parda, branca e preta, respectivamente. Já a relação entre cor da pele e total de óbitos em decorrência da violência apontou como principal vítima as pessoas de cor branca. Entretanto, de acordo com o Ministério da Saúde,18 a etnia em si não é fator de risco para violência, porém, populações de pele preta ou parda vivem em piores condições socioeconômicas e de saúde quando comparadas às populações de cor branca.19

Em relação à frequência de casos segundo faixa etária, foi observado que as pessoas que mais sofrem do agravo de notificação são aquelas, em ambos os sexos, que pertencem à faixa etária de 20 aos 29 anos de idade. Tal fato poderia ser explicado pelos hábitos de vida comuns a esta fase da vida, como frequentar eventos sociais com maior frequência, expor-se a maiores riscos nos espaços públicos, utilização de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas, acentuação das relações interpessoais, além do maior nível de estresse e contato com possíveis fatores desencadeantes da violência.20

No que tange à violência contra crianças, identificouse como principais agressores a mae e o pai da vítima, e o local mais frequente de agressão sua própria residência, resultado este também encontrado em outros estudos sobre notificações compulsórias da violência na infância e adolescência.21,22 Isto demonstra a grande fragilidade das crianças em relação a agressões e confirma que, quanto mais nova a criança, mais vulnerável a situações de maustratos ela se encontra, dada sua incapacidade de reagir física e emocionalmente a situações adversas.23 Ademais, assim como no estudo foi constatado que, em quase metade dos casos, os próprios pais foram os praticantes da violência. A literatura descreve o agressor como pais biológicos ou pessoas próximas à família, com certo acesso à residência.22

Assim como as crianças, os idosos também compoem uma parcela de vulnerabilidade da população. Observou-se que os principais autores da agressão dirigida contra pessoas idosas foram amigos ou conhecidos da vítima, ocorrendo principalmente em seu domicílio. Uma pesquisa realizada em 200724 demonstrou que, dos 18 milhoes de idosos brasileiros, 12% já sofreram algum tipo de maus-tratos, dos quais 54% foram causadas pelos filhos. Na maioria dos casos, constata-se abuso de álcool e drogas, ambiente familiar pouco comunicativo e afetivo e histórico de agressividade nas relações com seus familiares.25

A relação entre o uso nocivo de bebidas alcoólicas e a violência, demonstrada no presente trabalho, já tem sido descrita por diversos estudiosos, como Coleman & Straus,26 que afirmaram que o etilismo está mais frequentemente associado à violência doméstica, principalmente entre cônjuges.

O perfil das lesões autoprovocadas revela o predomínio de indivíduos do sexo feminino, de cor branca, na faixa etária dos 20 aos 29 anos, com escolaridade superior a oito anos de ensino e utilizando-se do envenenamento como principal meio. Estes dados diferem, em parte, dos achados em estudo sobre tentativas de suicídio em Barbacena-MG27 durante o período de 2003 a 2009, em que houve, igualmente, predomínio de indivíduos na faixa etária dos 20 aos 29 anos, mas com escolaridade inferior a oito anos de estudos.

Em mais da metade das lesões autoprovocadas, o indivíduo foi a óbito, sendo que, destes, a maioria era do sexo masculino. Achados semelhantes estao presentes em estudo do perfil epidemiológico do suicídio em Barbacena,28 em que as mortes de indivíduos do sexo masculino corresponderam a 80,2% do total de suicídios e, em ambos os sexos e em todas as faixas etárias, o método mais empregado para consumar o suicídio foi o enforcamento, responsável por 51,0% dos óbitos.

A respeito das limitações apresentadas na execução do trabalho, é importante ressaltar as restrições quanto ao estudo de duplicidade e completitude das informações. Na análise dos dados, notou-se uma baixa completitude - grau de preenchimento das variáveis - as respostas deixadas em branco ou ignoradas tinham percentuais significativos em variáveis importantes para a análise dos dados, como, por exemplo, em escolaridade (38,0%), raça (16,6%), recorrência da violência (23,6%) e evolução do caso (64,4%), prejudicando um estudo mais aprofundado sobre essas variáveis.

Este fato indica a necessidade de se investir na capacitação dos profissionais para melhoria da qualidade dos dados e de políticas mais rigorosas de controle. Além das limitações de metodologia, é importante salientar que os dados utilizados neste estudo não refletem integralmente as violências na regiao de Barbacena (MG), pois são dependentes do atendimento das vítimas em serviços de saúde, comprometendo sua totalidade. Assim, não foram incluídos aqui os prováveis casos de violência, em todas as suas formas, que foram notificados apenas por meio de boletins de ocorrência policial ou ficaram restritos ao ambiente de trabalho do agressor e da vítima, gerando apenas procedimentos administrativos.

A duplicidade das notificações - grau de registro único para cada evento - não pode ser avaliada, uma vez que, para preservar o anonimato das vítimas e agressores, todas as variáveis referentes às identidades foram retiradas antes do estudo das fichas, impossibilitando analisar se um mesmo evento (com o mesmo indivíduo) foi notificado mais de uma vez. Esta análise é importante porque múltiplas notificações de um mesmo caso podem impactar na superestimação da incidência e/ou prevalência de um determinado agravo.29

 

CONCLUSÃO

A importância desse estudo deve-se à verificação do perfil das vítimas de violência na regiao de Barbacena, identificando as mulheres como as principais afetadas e apontando também para o expressivo número de casos entre grupos mais vulneráveis como as crianças, os adolescentes e os idosos. A partir desses achados, entendemos ser necessária a realização de novas investigações buscando identificar, por meio de pesquisa de campo, quais as características de ordem clínica e psicossocial das vítimas e os prováveis fatores de risco associados a esses agravos.

A correta e completa notificação dos casos de violência ainda representa um desafio a ser resolvido no âmbito da saúde pública, exigindo compromisso dos profissionais da saúde, dos gestores, dos docentes e de todos aqueles que lidam diretamente com o referido agravo. A incompletude dos dados, observada nesse e em vários outros estudos, pode prejudicar a desenvolvimento e a execução de políticas públicas, perpetuando um grave problema social.

 

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