ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Metabolismo do cobre e doença de Wilson: uma Revisão
Copper metabolism and Wilson's disease: a review
Regiane Faia1; Lúcio Marco de Lemos2; Carlos Alberto Mourao-Júnior3; Ana Eliza Andreazzi3
1. Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Juiz de Fora, MG - Brasil
2. Laboratórios Lemos. Juiz de Fora, MG - Brasil
3. UFJF, Departamento de Fisiologia. Juiz de Fora, MG - Brasil
Ana Eliza Andreazzi
E-mail: anaeliza.andreazzi@ufjf.edu.br
Recebido em: 28/05/2015.
Aprovado em: 31/05/2016.
Instituiçao: Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Juiz de Fora, MG - Brasil.
Resumo
O cobre é um elemento químico de transição que participa da composição de várias enzimas importantes para o metabolismo celular. O cobre é obtido através da nutrição e o estômago e o duodeno são os locais de maior absorção desse metal. Após absorvido, o cobre se liga à albumina e à transcuprina e move-se para a circulação portal. Na circulação sistêmica, 90 a 95% do cobre se encontra ligado à ceruloplasmina. Estima-se que 80% da excreção do cobre ocorra por via biliar e, em menor grau através do suor e da urina. A doença de Wilson, ou degeneração hepatolenticular, é uma doença do metabolismo do cobre caracterizada pelo acúmulo intracelular progressivo de cobre nos tecidos, principalmente fígado e cérebro. Embora a excreção do cobre pelo suor ocorra em quantidades significativamente inferiores à eliminação biliar fisiológica, a sudorese resultante da prática de exercícios físicos pode ser um fator auxiliar para a excreção desse metal e contribuir para redução do acúmulo de cobre no organismo dos pacientes portadores da doença de Wilson.
Palavras-chave: Cobre; Doença de Wilson; Suor; Metabolismo; Fígado.
INTRODUÇÃO
Devido à importância metabólica do cobre, e à relativa escassez de dados sobre o metabolismo do cobre na literatura, a presente revisão aborda os aspectos relacionados com a sua absorção gastrointestinal, transporte plasmático e formas de excreção. A fisiopatologia da doença de Wilson é discutida, assim como a provável via para aumentar a excreção do cobre através da sudorese induzida pelo exercício físico. A base de dados utilizada foi o PubMed/Medline. Os descritores aplicados foram: Cupper, Wilson Disease, Sweat Cupper Excretion.
O foco da pesquisa foi analisar os achados internacionais atuais da literatura sobre o tema e discuti-los. Essa busca foi realizada no período entre setembro de 2014 e fevereiro de 2015. O rastreamento dos estudos com os descritores encontrou 4091 estudos. Após cruzamento entre os descritores, foram obtidos 383 estudos. Desses, depois da análise dos títulos, foram cogitadas 203 referências relevantes. Após a leitura dos resumos, 55 estudos foram eleitos para serem submetidos aos critérios de inclusão/exclusão, cujo levantamento final selecionou 25 estudos.
Os critérios de inclusão adotados foram os seguintes: artigos escritos inglês, português ou espanhol, e alguma semelhança no resumo do artigo com o objeto de pesquisa (metabolismo do cobre e doença de Wilson). Foram, por conseguinte, excluídos artigos que estivessem em outros idiomas além dos acima citados, e também os que não citavam nenhuma intervenção relacionada ao metabolismo de cobre na abordagem terapêutica da doença de Wilson. Foram incluídos somente artigos em que foi possível sua obtenção na íntegra. Foram excluídos os artigos que só continham o abstract.
REVISÃO DA LITERATURA E DISCUSSÃO
Cobre
O cobre (Cu) é elemento químico de transição e possui dois isótopos estáveis, 63Cu e 65Cu. Os seus quatro estados de oxidação - Cu0, Cu1+, Cu2+ e Cu3+ - lhe conferem importante papel nas reações de oxirredução. O íon Cu2+ é a forma iônica estável no meio biológico.1
O primeiro registro da participação do cobre como nutriente essencial data de 1928, com a observação do metal na eritropoiese de ratos, e a sua deficiência nutricional vem sendo descrita desde 1964. Atualmente, em humanos, reconhece-se a participação do cobre na composição das enzimas citocromo-c oxidase, superóxido dismutase1, tirosinase, proteína-lisina 6-oxidase, aminoxidases, dopamina- β-monoxigenase, peptidioglicinamonoxigenase e ceruloplasmina.2-5
O cobre é obtido através da nutrição. Os alimentos com as maiores concentrações do elemento são os órgaos de animais (e.g. fígado), mariscos, frutos secos e cereais. Estima-se que sua ingestao diária média varie entre 1 e 3 mg.4
O estômago e o intestino delgado, sobretudo o delgado proximal, são os locais de maior absorção do cobre. Cerca de 50% do cobre ingerido não é absorvido, embora essa taxa varie de acordo com fatores fisiológicos, dietéticos e patológicos.4,6 As metalotioneínas entéricas são determinantes na regulação da absorção do cobre ingerido. Elas consistem em grupo de proteínas que atuam na luz intestinal e se ligam ao cobre e a outros metais, agindo como captadores e quelantes desses elementos. O zinco é capaz de estimular a produção de metalotioneína entérica e minimizar a absorção do cobre ingerido.7
No trato gastrointestinal, o cobre é absorvido no ápice dos enterócitos pelo transportador de cobre 1 e pelo transportador de metal divalente 1, além de outras vias já descritas.8 Em seguida, o metal é conduzido do enterócito para a circulação sanguínea por intermédio de transporte ativo através da membrana basolateral, mediado pela proteína ATP7A. Outra proteína, a ATP7B, regula a absorção intestinal de cobre através da excreção de cobre pela superfície apical do enterócito e pelo sequestro vesicular do cobre dentro da célula.9
As proteínas ATP7A e ATP7B são ATPases do tipo P transportadoras de cobre. Essas proteínas localizam-se no aparelho de Golgi celular e atuam na transferência de cobre através das membranas celulares.10 Após absorvido, o cobre se liga, sobretudo, à albumina e à transcuprina e move-se através dos capilares da serosa para a circulação portal. Uma pequena quantidade do metal pode ligar-se a peptídeos e a aminoácidos, especialmente à histidina.11,12
Ceruloplasmina
A ceruloplasmina, uma glicoproteína sérica da fração α-2 globulina codificada pelo cromossomo 3, é produzida sobretudo nos hepatócitos e consiste de uma cadeia simples de 1046 aminoácidos que formam 6 domínios estruturais. Existem seis íons de cobre presentes na molécula de ceruloplasmina.13
Na circulação sistêmica, 90 a 95% do cobre encontra-se ligado à ceruloplasmina,3,14 e o restante liga-se à albumina e a outras moléculas.4,7 O cobre é fornecido às células tanto pela ceruloplasmina quanto pela albumina; contudo, devido à ligação entre o cobre e a ceruloplasmina ser mais forte, a albumina é a principal responsável pela oferta de cobre aos tecidos.
Estima-se que 80% da excreção do cobre ocorra por via biliar com ausência de reabsorção entérica, o que corresponde a aproximadamente 2 mg/dia. A excreção do cobre pelo suor é pequena, 50 a 100µg/dia, assim como pela urina, 10 a 50µg/dia.4,6
Outros tecidos também secretam cobre em concentrações variadas.9 No suor, a excreção de cobre pode variar de acordo com a área coletada, sexo, gravidez e uso de contraceptivos. A concentração de cobre no suor ainda pode variar individualmente e é estável durante a atividade física.15
Doença de Wilson
A doença de Wilson (DW), ou degeneração hepatolenticular, constitui-se em alteração do metabolismo do cobre caracterizada pelo seu acúmulo intracelular progressivo sobretudo no fígado e no cérebro.16 Tem caráter autossômico recessivo e o gene responsável pela doença está localizado no cromossomo 13, banda q14.3 (13q14.3-q21.1), cujo fenótipo remete a uma transportadora de cobre ligada à membrana ATPase tipo-P (ATP7B), crucial na excreção de cobre pelos hepatócitos e na sua ligação com a ceruloplasmina.17-19
Centenas de mutações foram identificadas e alguns grupos têm se dedicado a estabelecer correlações entre genotípicas e fenotípicas entre as apresentações.20,21 Um estudo brasileiro constatou que a mutação pela substituição do alelo c.3207C>A no éxon 14 foi a mais prevalente na regiao Sudeste do país, perfazendo 37,1% dos casos.22
As mutações do gene ATP7B levam tanto à deficiência no acoplamento do cobre à ceruloplasmina quanto à excreção do cobre pela bile. A produção de ceruloplasmina não é comprometida na DW, porém sua liberação na forma livre de ferro, apoceruloplasmina, promove hipoceruloplasminemia devido à meia vida curta dessa proteína. Já o comprometimento da excreção de cobre na bile promove o aumento da concentração de cobre sérico livre e o consequente acúmulo do metal nos tecidos.11
No fígado, o cobre acumulado nos hepatócitos produz um dano oxidativo pela peroxidação de lipídios nas mitocôndrias hepáticas e uma diminuição da concentração da vitamina E hepática e sérica.6 Isso produz doença hepática que pode se manifestar por hepatite aguda ou crônica, cirrose e insuficiência hepática fulminante.19
O cobre saturado nos hepatócitos e não ligado à ceruloplasmina é lançado livre no sangue e vai se concentrar principalmente em órgaos como o cérebro e os rins. A concentração no cérebro, especialmente nos núcleos da base, leva a anormalidades neurológicas e psiquiátricas, como tremores, distonia, alterações comportamentais, distúrbios de personalidade e depressão. Nos rins, o acúmulo ocorre principalmente nas células tubulares e conduz à insuficiência renal.19 A abordagem terapêutica para a DW tem mostrado eficácia satisfatória e garantido bom prognóstico se tratado de maneira precoce.
A ATPase da doença de Wilson ainda é expressa nas células epiteliais das glândulas sudoríparas e há um prejuízo na produção de suor nos indivíduos com a doença. A excreção de cobre no suor não aumenta, a despeito do aumento do cobre sérico livre nesses indivíduos.15
Sudorese e excreção de cobre
A sudorese tem papel auxiliar como via de excreção de metais, a exemplo do cobre, sobretudo em condições que ocorre produção de suor ao extremo.23
A concentração média de cobre no suor do braço e na urina de homens saudáveis situa-se entre 550±350 mg/L e 16,8±7,0 mg/L, respectivamente. Existe tendência a relação inversa entre a concentração dos metais excretados e o volume das amostras de suor.24
Amostras de suor tomadas imediatamente pós-exercício do braço ou tronco de atletas de alto rendimento contêm cobre detectável pelo método fenantrolina. Este método detecta complexos de cobre de baixa massa molecular e cobre livre. A concentração do cobre foi maior no braço do que no tronco.25
Em um indivíduo portador da doença de Wilson, a excreção de cobre no suor e na saliva aumenta aproximadamente 120% e 130%, respectivamente, após a realização de treinamento físico (exercícios resistidos e de resistência) durante três meses, o que parece revelar a provável alternativa para o aumento de excreção de cobre e, consequentemente, redução do acúmulo do metal no organismo de portadores da DW. Este resultado sugere a possibilidade de intervenções que visem ao aumento da excreção de cobre pelo suor vir a ser instrumento terapêutico, caso futuros ensaios clínicos controlados corroborem tal hipótese.
CONCLUSÃO
O cobre está associado à gama de processos enzimáticos. Seu metabolismo é orientado, sobretudo, pela expressão das proteínas ATP7A e ATP7B, que regulam a absorção, o acoplamento à ceruloplasmina e sua excreção biliar. Mutações no gene que transcreve a proteína ATP7B são a base para a DW e estao associadas à deficiência na excreção do cobre, com consequente acúmulo tecidual, sobretudo no fígado.
Embora a excreção do cobre pelo suor ocorra em quantidades significativamente inferiores à eliminação biliar fisiológica, a sudorese resultante da prática de exercícios físicos pode ser fator auxiliar para a excreção desse metal. Contudo, o impacto clínico do exercício físico sobre o benefício da excreção de cobre na DW ainda carece de evidências. Novos estudos controlados são necessários para verificar a possível associação entre maior excreção de cobre no suor e a melhora de parâmetros clínicos em pacientes com DW.
REFERENCIAS
1. Barceloux DG. Copper. J Toxicol Clin Toxicol. 1999;37(2):217- 30.
2. Baran EJ. Trace elements supplementation: recent advances and perspectives. Mini Rev Med Chem. 2004;4(1):1-9.
3. Shim H, Harris ZL. Genetic defects in copper metabolism. J Nutr. 2003;133(5 Suppl 1):1527S-31S.
4. Tapiero H, Townsend DM, Tew KD. Trace elements in human physiology and pathology. Copper. Biomed Pharmacother. 2003;57(9):386-98.
5. Uauy R, Olivares M, Gonzalez M. Essentiality of copper in humans. Am J Clin Nutr. 1998;67(5 Suppl):952S-9S.
6. Gaetke LM, Chow CK. Copper toxicity, oxidative stress, and antioxidant nutrients. Toxicology. 2003;189(1-2):147-63.
7. Brewer GJ. The risks of free copper in the body and the development of useful anticopper drugs. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2008;11(6):727-32.
8. Zimnicka AM, Maryon EB, Kaplan JH. Human copper transporter hCTR1 mediates basolateral uptake of copper into enterocytes: implications for copper homeostasis. J Biol Chem. 2007;282(36):26471-80.
9. Gupta A, Lutsenko S. Human copper transporters: mechanism, role in human diseases and therapeutic potential. Future Med Chem. 2009;1(6):1125-42.
10. Lenartowicz M, Krzeptowski W. Structure and function of ATP7A and ATP7B proteins--Cu-transporting ATPases. Postepy Biochem. 2010;56(3):317-27.
11. DiDonato M, Sarkar B. Copper transport and its alterations in Menkes and Wilson diseases. Biochim Biophys Acta. 1997;1360(1):3-16.
12. Linder MC, Wooten L, Cerveza P, Cotton S, Shulze R, Lomeli N. Copper transport. Am J Clin Nutr. 1998;67(5 Suppl):965S- 971S.
13. Kono S. Aceruloplasminemia: an update. Int Rev Neurobiol. 2013;110:125-51.
14. Hellman NE, Gitlin JD. Ceruloplasmin metabolism and function. Annu Rev Nutr. 2002;22:439-58.
15. Schaefer M, Schellenberg M, Merle U, Weiss KH, Stremmel W. Wilson protein expression, copper excretion and sweat production in sweat glands of Wilson disease patients and controls. BMC Gastroenterol. 2008;8:29.
16. Aggarwal A, Bhatt M. Update on Wilson disease. Int Rev Neurobiol. 2013;110:313-48.
17. Bingham MJ, Ong TJ, Summer KH, Middleton RB, McArdle HJ. Physiologic function of the Wilson disease gene product, ATP7B. Am J Clin Nutr. 1998;67(5 Suppl):982S-7S.
18. Chabik G, Litwin T, Czlonkowska A. Concordance rates of Wilson's disease phenotype among siblings. J Inherit Metab Dis. 2014;37(1):131-5.
19. Lutsenko S, Petris MJ. Function and regulation of the mammalian copper-transporting ATPases: insights from biochemical and cell biological approaches. J Membr Biol. 2003;191(1):1- 12.
20. Mukherjee S, Dutta S, Majumdar S, Biswas T, Jaiswal P, Sengupta M, et al. Genetic defects in Indian Wilson disease patients and genotype-phenotype correlation. Parkinsonism Relat Disord. 2014;20(1):75-81.
21. Tomic A, Dobricic V, Novakovic I, Svetel M, Pekmezovic T, Kresojevic N, et al. Mutational analysis of ATP7B gene and the genotype-phenotype correlation in patients with Wilson's disease in Serbia. Vojnosanit Pregl. 2013;70(5):457-62.
22. Bem RS, Raskin S, Muzzillo DA, Deguti MM, Cançado EL, Araújo TF, et al. Wilson's disease in Southern Brazil: genotypephenotype correlation and description of two novel mutations in ATP7B gene. Arq Neuropsiquiatr. 2013;71(8):503-7.
23. Hohnadel DC, Sunderman FW Jr, Nechay MW, McNeely MD. Atomic absorption spectrometry of nickel, copper, zinc, and lead in sweat collected from healthy subjects during sauna bathing. Clin Chem. 1973;19(11):1288-92.
24. Consolazio CF, Nelson RA, Matoush LO, Hughes RC, Urone P. The trace mineral losses in sweat. Rep no. 284. Rep US Army Med Res Nutr Lab Denver. 1964:1-14.
25. Gutteridge JM, Rowley DA, Halliwell B, Cooper DF, Heeley DM. Copper and iron complexes catalytic for oxygen radical reactions in sweat from human athletes. Clin Chim Acta. 1985;145(3):267-73.
Copyright 2025 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License