RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 23. 3 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20130053

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Artigos de Revisão

Vaginismo

Vaginismus

Ramon Luiz Braga Dias Moreira

Professor Assistente do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Coordenador do Ambulatório de Sexologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Ramon Luiz Braga Dias Moreira
E-mail: ramonlmoreira@ig.com.br

Recebido em: 08/08/2012
Aprovado em: 15/12/2012

Instituição: Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

Vaginismo é condição clínica rara em que a penetração vaginal, seja pelo ato sexual, espéculo ginecológico ou outro objeto, é impedida. Associa-se a multiplicidade de fatores que incluem condições sociais, psicológicas, psiquiátricas, ginecológicas, psicanalíticas e sexológicas. Sua etiologia está ligada, principalmente, a traumas sexuais e educação sexual rígida, embora nem sempre essas associações possam ser feitas. É assunto sobre o qual existe grande desconhecimento, inclusive pelos médicos, o que torna sua abordagem difícil, muitas vezes iatrogênica. O tratamento inclui técnicas de psicoterapia cognitiva e comportamental, tratamento médico com ansiolíticos e anestésicos tópicos, além de uso de vasodilatadores vaginais. Tratamentos com base em fisioterapia por eletroestimulação vaginal e injeções vaginais de neurotoxina botulínica têm sido propostos, ainda sem evidência científica que os autorize. Esta revisão discute conceitos e tratamentos do vaginismo.

Palavras-chave: Vaginismo/etiologia; Vaginismo/diagnóstico; Vaginismo/classificação; Vaginismo/terapia; Dispareunia; Toxinas Botulínicas/uso terapêutico; Disfunção Sexual Fisiológica.

 

INTRODUÇÃO

O vaginismo constitui-se em uma disfunção sexual que acomete 1 a 6% das mulheres em vida sexual ativa, em que se desconhece se sua prevalência está aumentando ou diminuindo.1 Há muitas imprecisões quanto ao seu conceito, diagnóstico, forma de tratamento e participação de vários especialistas no esforço de propor sua abordagem, como psicólogos, fisioterapeutas, ginecologistas, psiquiatras, sexólogos, psicanalistas.2

Muitos profissionais desconhecem essa disfunção sexual, o que faz com que as pacientes sejam submetidas a um rosário de profissionais, muitas vezes com tratamentos inadequados e iatrogênicos. As pacientes relatam ser tratadas como neuróticas ou difíceis e acusadas de não colaborarem com o exame médico. Às vezes referem que o exame ginecológico é como um estupro, já que a questão básica dessa disfunção sexual é a incapacidade em permitir a penetração vaginal, seja através do ato sexual, do exame ginecológico ou em alguma outra situação, mas nem sempre em todas.

O acesso cada vez mais expressivo das mulheres aos serviços de saúde faz com que o vaginismo apareça cada vez mais nas clínicas de atendimento público e privado, embora não signifique, necessariamente, que esteja aumentando a sua prevalência. Pode ser que as mulheres se sintam mais encorajadas a procurar ajuda como aspecto a mais da emancipação feminina. É necessário que os profissionais de saúde compreendam que essa condição é involuntária e quem a porta não tem meios de se curar sem ajuda especializada correta.

Esta revisão discute os aspectos fundamentais e o estado atual da arte dessa disfunção sexual.

 

METODOLOGIA

A bibliografia baseou-se nos dados da Scielo e Pubmed. A pesquisa bibliográfica foi realizada nas bases de dados Scielo e Pubmed. O período considerado para a pesquisa foi de 2004 a 2011, nas línguas portuguesa e inglesa. Os artigos mais relevantes foram selecionados com base em sua qualidade metodológica segundo as normas internacionais.

Devido à importância dos aspectos históricos e evolutivos do tema, as fontes bibliográficas mais importantes de períodos anteriores foram citadas e usadas como referência.

 

HISTÓRICO

É importante traçar um histórico do vaginismo para que se tenha a noção de há quanto tempo ele é descrito na Medicina e como as imprecisões persistem ao longo do tempo. Foi citado pela primeira vez na literatura médica italiana do século XI. No século XVII, Sims - médico inglês da época vitoriana, conhecida pela grande repressão sexual - descreveu condição similar como sendo uma “contração espasmódica do esfíncter vaginal”, que atribuía a condições irritantes da vulva e da vagina, às quais - acrescentava - eram difíceis de explicar. Denominou essa situação de vaginismo.³ Alfred Kinsey, considerado o pai da sexologia científica, embora tenha diagnosticado o vaginismo nas pacientes pesquisadas, focalizou seus estudos em outras disfunções sexuais e não ajudou muito a avançar o conhecimento nessa área, apesar de sua esposa, Bárbara, ter sido vítima do problema.4 Nos anos 1970 os estudos de Masters e Johnson sedimentaram uma definição e um processo de tratamento que vigoram até hoje, embora sejam polêmicos e contestados pela medicina baseada em evidências.5 A partir dos anos 1970, Helen Kaplan,6 autora importante da sexologia, propôs modificações metodológicas principalmente no tratamento do vaginismo, embora não questionasse o diagnóstico, conforme proposto por Masters e Johnson, o mesmo acontecendo na monumental obra de John Money.7 Pode-se afirmar que a elucidação de todos os aspectos do vaginismo ainda está longe de acontecer, mas no momento os grandes colaboradores para o estudo do vaginismo (e também da dispareunia) são os pesquisadores da Universidade McGuill, de Montreal, Canadá, liderados por Binik, Bergeron e Khalifé.2,3 Esses autores questionam, de forma fundamentada, os trabalhos anteriores da maioria dos autores e propõem nova era para o estudo da assim chamada “dor sexual”.

 

INCIDÊNCIA E DIAGNÓSTICO

A incidência do vaginismo varia de 1 a 6% da população feminina com vida sexual ativa,1 o que depende de como sele é classificado, em que situação cultural ocorre e qual método é usado para ser confirmado.1,2

A definição de vaginismo vigente no DSM IV (1994-2000) é praticamente a mesma, derivada de Masters e Johnson, que constava no DSM III, de 1980,2 isto é, “espasmo involuntário da musculatura do terço externo da vagina, recorrente ou persistente, que interfere no ato sexual”.

A definição de vaginismo traz em si três ambivalências básicas:

se o diagnóstico de vaginismo implica espasmo da musculatura interna da vagina, só pode fazê-lo o ginecologista, já que os psiquiatras, em geral, não são treinados em exame ginecológico. Portanto, o vaginismo deveria vir na seção de doenças ginecológicas e não na de doenças mentais.
como fazer o diagnóstico de vaginismo se a mulher não permite o exame vaginal? Como saber se ela tem espasmo da musculatura se não se tem acesso à sua vagina? Só resta pensar que esse diagnóstico é feito por “presunção”.
a dificuldade desse diagnóstico limita a consecução de trabalhos científicos baseados em evidência. Outra questão do diagnóstico é se o vaginismo é realmente uma disfunção sexual ou uma condição ginecológica. A paciente contrai a musculatura porque sente dor ou porque tem fobia à penetração ou tem espasmo que impede a penetração vaginal e por isso sente dor?

A resposta a esta incógnita tem procedência em trabalhos de fisioterapeutas, com estudos de biofeedback e eletroestimulação vaginal.2,3 Esses trabalhos contestam a definição de Masters e Johnson5 e não confirmam que mulheres vagínicas tenham espasmo vaginal quando pesquisadas por tais métodos, considerados mais atuais e fidedignos. Acreditam, ainda, que o espasmo vaginal é o resultado do vaginismo, em vez de sua causa.

Outra questão é que se define vaginismo apenas como dificuldade de penetração sexual ou de qualquer outro tipo de penetração (objetos sexuais, dedo, espéculo ginecológico). Há diferenças entre o vaginismo em que apenas a penetração sexual é impedida e outros objetos não? Deve-se classificar como vaginismo somente a condição que ocorre nas mulheres que não permitem “de forma alguma” a penetração vaginal ou pode existir o vaginismo leve, moderado, grave, conforme sugeriu Lamont em 1978?9,10 As controvérsias diagnósticas do vaginismo são muitas e provavelmente ainda permanecerão.

Reissing propôs uma classificação diagnóstica que dispensa o exame ginecológico9 e considera que o vaginismo ocorre em mulheres que nunca conseguiram a penetração sexual: a) completa em 10 tentativas em diferentes ocasiões; b) completa em menos de 10 tentativas e que mostram outras interferências com a penetração vaginal; c) nos últimos 12 meses, mas que já conseguiram penetração sexual no passado e que tiveram a história de outras interferências com a penetração vaginal desde o inicio do problema.

Na tentativa de resolver esses problemas, vários especialistas no problema, de 33 países, fizeram o sumário de recomendações em disfunção sexual feminina11 e sugeriram a seguinte definição de vaginismo para o DSM V a ser lançado em 2013: “dificuldade persistente ou recorrente da mulher em permitir a entrada vaginal do pênis ou dedo e/ou objeto, apesar do desejo expresso da mulher em fazê-lo. Ocorre geralmente evitação (fóbica), contração involuntária da musculatura pélvica e antecipação/medo/experiência de dor. Devem ser excluídas outras anormalidades estruturais ou físicas”. Apesar dessas possíveis objeções à definição de vaginismo, deve-se considerar que é a mais atual e a que abarca a maior parte dos conhecimentos até agora. É a que constará, salvo algumas modificações, no DSM V.

 

ETIOLOGIA

Considera-se o vaginismo como decorrente de traumas sexuais, principalmente infantis.1,3,5,6 O histórico de educação sexual rígida, seja moral, religiosa ou ambas, é o mais comum. Existe também relação significativa de histórico de abusos sexuais na infância e estupro em qualquer fase da vida prévia ao vaginismo.5 É comum também passado de “lua de mel” traumática: primeira relação sexual insatisfatória, dolorosa e/ou forçada. Incluem-se também na etiologia lesões prévias sobre a vulva e a vagina, história de infecções repetidas causadoras de dores e irritações crônicas, ou seja, a dispareunia que evolui para o vaginismo.2,5,6 Num outro grupo situam-se mulheres que sofreram traumas não sexuais no passado (acidentes de automóveis, violência doméstica, assaltos à mão armada) que desenvolve o vaginismo. Nesses casos, pode-se dizer que é sintoma atípico de síndrome de pânico.12 O vaginismo pode também ser a negação à homossexualidade, nas mulheres que insistem em relação heterossexual que não é o seu objeto de desejo. Há casos em que o vaginismo constitui-se em rejeição específica ao parceiro sexual e a condição desaparece quando a paciente troca de parceiro. Isso inclui parceiros sexuais que representam relação incestuosa (homem muito mais velho, semelhanças do parceiro com o pai, comportamentos paternos por parte do parceiro); parceiros hostis, agressivos e grosseiros ou, o contrário, excessivamente gentis ou afeminados que despertam na mulher suspeitas (muitas vezes infundadas) de homossexualidade. A rejeição ao ato culmina no vaginismo. Há casos de vaginismo surgidos após a menopausa, tipicamente devido à atrofia genital no período ou sem esse fator.6

Em reduzido número de casos encontram-se mulheres sem histórico como o citado, nas quais é difícil encontrar um fator etiológico.

Masters e Johnson5 indicam fatores masculinos como causa do vaginismo e incluem homens impotentes e ejaculadores precoces entre os causadores do problema de suas parceiras sexuais. Após o advento dos medicamentos antiphospodiesterase, nota-se que cônjuges impotentes que são medicados e conseguem ereções normais durante o ato sexual não são capazes de modificar o curso do vaginismo, portanto, essa causa não parece ter tanta importância, o mesmo acontecendo com a ejaculação precoce.12 Os antigos compêndios de Ginecologia, antes que as principais causas do vaginismo fossem mais bem conhecidas, davam conta de que fossem devidas principalmente a fatores físicos, como hímens rígidos ou septações e anéis vaginais, hemorroidas, carúnculas vaginais, etc. Kaplan6 foi quem alertou para a raridade dessa etiologia (menos de 1% dos casos), ressaltando que: “como as causas referidas causam dor na penetração ou durante a relação sexual, dão motivo a contingências negativas, sobre as quais pode surgir a resposta patológica condicionada do vaginismo”.

Na prática diária do Ambulatório de Sexologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais encontram-se pacientes tratadas com himenotomia por suposta rigidez himenal cujo vaginismo persiste apesar da cirurgia. Casos bem-sucedidos de tratamento cirúrgico do vaginismo são raros. Como afirma Kaplan:6 “depois da correção cirúrgica ou hormonal bem-sucedida da doença pélvica, a paciente e seu ginecologista ficam desapontados ao verificarem que ela ainda reage com o vaginismo quando é tentada a relação sexual”.

Embora as explicações psicanalíticas do vaginismo sejam passíveis de discussão e talvez estejam mesmo, em muitos casos, na raiz do problema, observa-se que a Psicanálise não obtém sucesso na maioria dos casos dessa disfunção sexual.3,5,6 Kaplan, que era psicanalista, adotou as técnicas comportamentais-cognitivas, além das psicodinâmicas, em sua forma de diagnosticar e tratar o vaginismo. Considerou importante que a hostilidade inconsciente do cônjuge ou o comportamento ambivalente inconsciente em relação a ele poderia ser causa importante do vaginismo, mas subestimou problemas relativos ao complexo de Édipo6 . Nenhum autor, desde então, foi mais importante do que ela no estudo das causas inconscientes do vaginismo. Kaplan resume seus conceitos etiológicos sugerindo que o vaginismo ocorre quando uma contingência negativa se associa ao ato ou à fantasia de penetração vaginal. Para ela, as causas remotas não são específicas: são múltiplas e podem incluir qualquer das determinantes mencionadas enquanto elas produzirem dor ou medo em relação ao coito. Embora nem todas as pacientes com vaginismo sejam neuróticas, algumas podem ter importantes fatores psiquiátricos como base.

 

DIAGNÓSTICO

Pode-se considerar que os primeiros autores a proporem abordagem inovadora e científica para o vaginismo foram Masters e Johnson, em 1970,5 que o definiram como decorrente do espasmo da musculatura do terço externo da vagina, conceito só revisto recentemente. Determinaram também ser impossível diagnosticar o vaginismo sem o exame ginecológico. Esses autores relatam:

Há um padrão incomum de reação física da mulher atribulada pelo vaginismo. Ela reage num padrão fixo de tensão psicológica durante o exame pélvico rotineiro que inclua a observação do órgão genital externo e a exploração manual da vagina. A paciente realmente tenta escapar à aproximação do examinador, retraindo-se para a cabeceira da mesa, e até mesmo tirando as pernas dos estribos e/ou contraindo suas coxas para evitar a ameaça subentendida do exame vaginal iminente. Muitas vezes esse padrão reativo pode ser deduzido mais da simples antecipação, por parte da mulher, da aproximação física do examinador do exame pélvico do que pelo ato real de investigação pélvica manual.

Masters e Johnson também sugeriram que não se faça o exame ginecológico forçado, o que poderia acentuar o trauma da mulher, e que o diagnóstico do espasmo vaginal só poderia ser feito por meio do exame ginecológico após a tranquilização da paciente. Na prática, essa “tranquilização” não é muito fácil, porque a resposta de contração pélvica é involuntária e devido a mecanismos psíquicos arraigados. Muitas vezes a paciente sequer se apercebe de que está contraindo o períneo.

O que se contesta hoje13 é se a mulher realmente possui um espasmo crônico da vagina e por isso não consegue a penetração ou se ela contrai a vagina e o períneo devido ao medo da penetração, somente na hora em que essa ameaça aparece. Os estudos de fisioterapeutas com eletroestimulação e biofeedback dão conta de que a segunda situação é a mais correta. Não foi encontrada diferença significativa entre o grau de espasmo vaginal de mulheres com vaginismo e sem vaginismo a partir de medidas eletromecânicas.13

 

TRATAMENTO

O vaginismo é reconhecido como disfunção sexual e uma síndrome eminentemente psicossomática, apesar de interrogações se a dispareunia é realmente disfunção sexual ou a disfunção sexual é consequência da dor e do medo da dor,2,3,9,13 sendo seu tratamento realizado com abordagem social, psicológica e física.

A paciente e seu cônjuge sofrem, em geral, de desconhecimento do problema. Muitas vezes já passaram por profissionais que também desconhecem esse problema e lhes deram informações inadequadas. Por esse motivo, a primeira providência é informar-lhes sobre a disfunção e assegurar que há tratamentos disponíveis que, em geral, não são os propostos por leigos ou por profissionais desavisados.

Com Kaplan6 e Binik2 a terapêutica inicia-se com a psicoterapia e os exercícios de relaxamento, antes de se proceder a exame ginecológico e a práticas mais invasivas da privacidade da paciente, porque a mesma tem resistência natural à abordagem física. No ambulatório de sexologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais inicia-se com pequenas doses de ansiolíticos, de preferência não benzodiazepínicos.12 A anamnese inclui questionários específicos como o índice internacional de sexualidade e inventários de sexualidade selecionados e modificados por Rodrigues Júnior.14 É solicitado também à paciente que responda em sua casa aos questionários abertos de Heiman e LoPiccolo15, que perguntam sobre a vida sexual completa da paciente, e ao questionário de depressão de Beck.16 A seguir, inicia-se a segunda etapa do tratamento, que é a introdução gradual do que é denominado “moldes de gesso”.12 Os moldes de gesso foram propostos por Moreira12 como alternativa a outros dilatadores vaginais utilizados anteriormente, os quais tinham vários inconvenientes ou eram muito dispendiosos. Para se fazer o molde vaginal, corta-se uma tira de atadura gessada e faz-se com ela um pequeno phalus de gesso, inicialmente da largura do dedo mínimo, que após ser molhado com água e transformado em objeto rígido torna-se ideal para a paciente começar a introduzir com o auxílio de preservativo e lubrificante. A cada semana vai sendo aumentada a largura do molde até que ele atinja a largura do dedo polegar. Daí em diante solicita-se à paciente e/ou seu parceiro que iniciem a introdução de um dos dedos e com ele faça exercícios de massagem intravaginal. Durante esse período é sugerido que sejam interrompidas as tentativas de relações sexuais com penetração para evitar a frustração que origina a sensação de incompetência e aumenta o vaginismo. Paralelamente ao processo de “dilatação” vaginal e reversão do “espasmo vaginal”, é feita a terapia breve de base comportamental-cognitiva, com vistas à interrupção da fobia de penetração. A inexistência de um dos dois processos (o de psicoterapia ou de introdução de moldes ou objetos ou dedo) inviabiliza o tratamento. Isso porque os processos físicos e psicológicos do vaginismo são inseparáveis.

A terapia sexual e o tratamento físico demoram, em média, três a seis meses. Há casos cujo tratamento pode ser mais demorado. As relações sexuais devem ser retomadas quando já se perdeu o medo da penetração, com a penetração de forma lenta e comandada pela paciente; e é possível colocar com facilidade os moldes vaginais e o próprio dedo ou o do parceiro. É sugerido que seja feito duas semanas de foco sensorial, conforme proposto por Masters e Johnson e Kaplan (modificado por Rodrigues Júnior),17 pois muitas das pacientes consideram a relação sexual como estupro e as semanas de massagens terapêuticas as ajudam a aceitar o ato sexual como ato de amor.

As relações devem começar, preferencialmente, com a mulher na posição superior, para que ela tenha o controle do ato sexual e assim se sinta mais segura. Pode ser que não consiga o ato sexual desde a primeira vez e que a penetração seja gradativa. A mulher não deve considerar isso fracasso e deve prosseguir nas suas tentativas sempre gentis e com a colaboração do cônjuge masculino. Muitas vezes é difícil para o parceiro manter ereções eficazes em todas as situações. É necessário reassegurar que isso pode acontecer e é normal. Mesmo quando a paciente já está conseguindo fazer a penetração isso não deve ser considerado como o fim do tratamento. Masters e Johnson5 consideraram alto o índice de cura do vaginismo, por tomarem como base esse propósito. O sucesso do tratamento, entretanto, é menor ao se considerarem outros fatores, como a presença de todas as fases da resposta sexual (desejo, excitação, orgasmo) e grau de satisfação sexual. A maioria dos terapeutas e das pacientes considera que a cura foi obtida, quando é conseguida a penetração sexual. Muitas pacientes voltam algum tempo depois para outros tratamentos de problemas sexuais, pois o medo da penetração esconde outros medos maiores e mais complexos. O índice de cura baseado unicamente na penetração vaginal variou de 93,3 a 100%, mas considerando-se a resposta sexual como um todo esse índice diminuiu para 25%.18

Os tratamentos fisioterápicos com aparelhos de eletroestimulação e biofeedback têm sido propostos como coadjuvantes ou como técnicas isoladas no tratamento do vaginismo, da forma como são usados no tratamento da dispareunia, vulvodinia e incontinência urinária.1,3,9,13 A experiência do ambulatório de sexologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais revela que esses tratamentos são mais úteis na dispareunia do que no vaginismo. Não existem trabalhos bem controlados que confirmam ou contradizem o uso dessa técnica.

O uso de botox (botulinum neurotoxin type A) por injeções locais na musculatura vaginal para a dispareunia e o vaginismo pode ser considerado opção em casos de falha com os outros tratamentos habituais. Há poucos trabalhos com essa técnica e na maioria deles o botox foi associado a outros tratamentos (dilatadores vaginais, eletromiografia, etc.),19,20 o que deixa dúvidas quanto ao seu real valor. Não há consenso quanto ao tempo de tratamento nem quanto às doses a serem usadas.

 

DISCUSSÃO

Apesar das incertezas sobre etiologia, existência ou não do espasmo vaginal, melhor forma de tratamento - o que pode ser considerado sucesso do tratamento -, os critérios de classificação, etc., existem avanços sobre o conhecimento do vaginismo e é correto afirmar que ele requer abordagem multidisciplinar.

Os profissionais que se dedicam à abordagem desse assunto devem entender o sofrimento por que passam as pacientes e procurar informar-lhes adequadamente de sua condição, fornecendo tratamentos eficazes (realizados por eles ou não), se possível baseados nas melhores evidências. O melhor tratamento é o que inclui a avaliação psicológica, sexológica e fisioterápica especializada, seguida da terapia sexual de base cognitiva amparada em tratamento de Medicina sexual que inclui medicações ansiolíticas e tópicas e uso gradativo de vasodilatadores vaginais. Os tratamentos com eletroestimulação e bioofeedback são coadjuvantes importantes no arsenal diagnóstico e terapêutico. Em alguns casos são necessários tratamentos mais complexos de base psicanalítica ou com psicoterapia de longo prazo. Considera-se sucesso terapêutico a consecução do ato vaginal completo com penetração vaginal, entretanto, não se deve perder de vista a meta de obtenção da resposta sexual completa, para se evitarem as recidivas.

Novos tratamentos estão em progresso e os estudos na área da fisioterapia têm sido muito importantes para impedir que o vaginismo impeça a vida e o bem-estar de muitos casais.

 

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